sexta-feira, 28 de junho de 2013

Homem aos pedaços

Tinha os olhos da mãe e o cabelo do pai. O queixo do avô e as orelhas do tio. O nariz tinha um pouco do pai, mas com certeza puxara da avó. Ele ia ouvindo isso quando pequeno e se sentia só isso: um monte de pedaços de outras pessoas. Nada era dele. Nada era único. Talvez o coração. 
Anos depois ele percebeu que a alma também não era dele. Tinha um pedaço do amigo de infância que ele jogava bola. Um pedaço da primeira menina que quebrou seu coração. Um pedaço do professor que o ensinou a ler. Um pedaço do vizinho que brigava com ele quando fazia barulho tarde da noite. Um pedaço da primeira viagem com os amigos. Um pedaço da carreira que ia seguir...
Depois ele descobriu que não foi sempre feito dos mesmos pedaços. Aquele que era da menina que partiu seu coração saiu e deu lugar pra um pedaço maior, o daquela que se tornou a última ao seu lado. O do amigo de infância dividiu espaço com o do atual melhor amigo. O do vizinho foi substituído pelo de um senhor de idade que o cumprimenta sorrindo quando vai visitar os pais. E vieram mais pedaços: da primeira casa, do primeiro carro, dos inúmeros empregos até aparecer o certo, dos amigos que permaneceram depois de tantas mudanças. Descobriu que parte dele pertencia ao filho, mas que parte de seu filho também estava nele. Descobriu que em seus pais repousava uma parte dele. Que todos que ali tinham deixado pedaços haviam também levado alguns consigo.
E ai ele se sentia tudo isso: um monte de pedaços de outras pessoas. De pessoas e coisas que ele sempre teria dentro dele pra nunca esquecer. De momentos em que os pequenos pedaços davam lugar pra grandes pedaços que o faziam crescer e ser quem ele é. 
Nada era dele. Nada era único. Tudo era compartilhado, vivenciado em conjunto. Nada era SÓ dele. 
Talvez, mas só talvez, o coração.